segunda-feira, 1 de abril de 2013

Aqueles Olhos não me saem da Cabeça...






Bissau, 1 de Abril de 2013


Exmo. Sr. das Armas,

Venho por este meio contar-lhe um pouquinho daquilo que se passa bem debaixo do seu nariz e que a vossa excelência finge não ver, ou melhor, olha (porque ver já exige alguma atenção) e nem quer saber.
Pois é, mas deixa que eu lhe diga que ontem tive o desprazer de ver algo que jamais pensei que um dia pudesse ver ao vivo e a cores, mas ainda bem que vi, porque o que não nos mata nos torna pessoas melhores . Ontem vi os rostos da Fome e da Sede bem de perto...esses bichos papões que atormentam milhares de pessoas nesse seu País, em especial as crianças. Ontem eu vi os olhos da fome e da sede estampados na cara de uma menina de 1 ano, que mais parecia ter 6 meses, com o seu corpinho bem magro perdido nas roupas que trazia vestido, onde só se via a sua barriga sobressaída de nada, a sua carinha tão miudinha e ossada onde só se via os olhos famintos e tristes...olhos esses que brilharam de tal forma de alívio quando viram um copo de água e um pedaço de comida. Foi aí que percebi que eu nunca tive nem sede nem fome, apenas vontade de comer e beber, porque mesmo visto o que vi, ainda não sei o que é fome e o que é sede. Pois bem meu Senhor, a imagem daquelas crianças que só via na televisão ou na internet, ontem vi cara a cara, rente ao coração. Vi também essa mesma imagem noutras crianças mais velhas, mas igualmente famintas e sedentas que andaram por ali buscando o que comer e beber, e muitas vezes o que encontraram foi a crueldade das pessoas, que parecem já estar acostumadas com aquela realidade...crueldade das pessoas que perante a sede deram restos de cerveja à crianças com pouco mais de 10 anos, e sabes o que mais, a sede é mais cruel ainda, porque aquelas crianças beberam a cerveja num  único sedento gole, como se fosse água para matar a sua sede.
Ah, já me ia esquecendo, os seus meninos das armas, estavam lá também "protegendo" as pessoas que lá estavam daqueles famintos e sedentos, pois se tivessem que dar alguma coisa, que fosse a eles. Seus meninos, armados até aos dentes que em pleno "serviço", estavam lá ludibriando as pessoas com a sua falsa proteção para comer  e beber e espancar as crianças, com um belo sorriso naqueles rostos de guerra.

Sem mais assunto de momento,

"Grata" pela sua desatenção.